“Uma Casa de Boneca”, de Henrik Ibsen (1828-1906), ganha nova encenação em São Paulo com foco nas interseções entre gênero, raça e classe. A montagem imersiva estreia na Casaurora, espaço cultural independente localizado no bairro do Sumaré, em uma temporada gratuita, com ações formativas e bate-papos com o público.
O espetáculo tem direção de Georgette Fadel (Cia. São Jorge de Variedades) e Livia Camargo, também responsável pela adaptação do texto original, e uma das idealizadoras do projeto ao lado de Paula Aviles. No elenco, estão Livia Camargo, Paula Aviles, Gustavo Vaz, Edson Duavy e Kleber di Lazzare.
Encenada em uma casa real, a peça convida o público a ocupar os cômodos, criando uma experiência intimista e provocadora. A proximidade entre espectadores e personagens torna a narrativa ainda mais impactante, especialmente em momentos de tensão, brigas ou silêncio.

“Encenar a peça dentro de uma casa real contribui para aprofundar a experiência do público. É como na vida: se você está posicionado de um jeito, entende uma coisa; de outro, entende diferente”, afirma a diretora, que destaca como a movimentação pelos cômodos, os ruídos reais da casa e a proximidade física com os atores criam uma tensão particular, transformando o espectador em quase um voyeur da intimidade daquela família.
A nova adaptação amplia a crítica original ao patriarcado do século XIX ao incorporar outras formas de opressão contemporâneas: o racismo estrutural, a invisibilização de corpos fora dos padrões normativos e os limites da liberdade feminina em diferentes contextos sociais. A leitura de Nora Helmer (Livia Camargo) é atravessada por sua condição de mulher branca em contraste com outros corpos em cena; Cristina (Paula Aviles), mulher racializada; Krogstad (Edinho Duavy), homem negro; e Torvald Helmer (Gustavo Vaz), que encarna não apenas o privilégio de gênero, mas também o racial.

Para Georgette Fadel, os temas incorporados pela nova adaptação já estavam latentes no próprio texto de Ibsen, que fala de estruturas que se protegem e se perpetuam. “Essa família que se autopreserva, esse homem que se blinda… o texto já pede essas incorporações”, comenta.
Já Livia Camargo destaca a importância de ter iniciado o processo pela dramaturgia, antes dos ensaios como atriz. “Foi fundamental começar por esse lugar. E dividir a direção com Georgette Fadel, uma artista gigante.” Para ela, o texto de Ibsen, escrito em 1879, ainda é incrivelmente atual. “Vemos mulheres vivendo relações abusivas por anos, saindo destruídas, sem autoestima.O gesto de Nora, ao bater a porta, ainda hoje nos inspira a romper e reconstruir.” Livia reforça que esse gesto precisa ser ampliado: “Ibsen escreveu sobre uma mulher burguesa, mas hoje ele precisa incluir a mulher periférica, racializada, com filhos. O ato de bater a porta é quando ela percebe que só ela pode mudar a própria vida. E essa consciência é revolucionária.”

Além das apresentações, o projeto oferece quatro ensaios abertos com bate-papo com elenco e direção, e quatro leituras públicas de textos clássicos, com a participação de convidados e rodas de conversa com o público.
Ficha técnica:
Idealização: Lívia Camargo e Paula Aviles. Texto original: Henrik Ibsen. Adaptação: Lívia Camargo. Direção:Georgette Fadel e Lívia Camargo. Elenco: Lívia Camargo (Nora Helmer) Paula Aviles (Cristina Linde), Gustavo Vaz (Torvald Helmer), Edson Duavy (Nills Krogstad), Kleber di Lazzare (Dr. Hank) e Fernando Zuben (Piano). Vídeo ao vivo: Laerte Késsimos. Direção de arte, visagismo e colaboração dramatúrgica: Paula Aviles. Direção audiovisual e design gráfico: Laerte Késsimos. Direção musical e composições originais: Fernando Zuben.Direção de movimento: Débora Veneziani. Colaborador artístico: Wilson Feitosa. Iluminação: Laiza Menegassi. Desenho de Som: Duda Gomes. Operação de vídeo: Danilo Martignago. Direção de produção: Gustavo Sanna. Produção executiva: Denyria Plácido. Assessoria de Imprensa: Adriana Balsanelli. Gerenciamento de Redes Sociais: Michel Waisman. Cenotecnica e reformas: Marcos Portugal – Mdu Elétrica. Realização: Casaurora e Complementar Produções.
UMA CASA DE BONECA

Temporada: De 20 de Junho a 27 de Julho
Horário: Sextas e Sábados, às 20h | Domingos, às 19h
Local: Rua Plínio de Morais, 401, Sumaré
Ingressos: Gratuito
Capacidade: 60 lugares
Duração: 120 minutos
Classificação: 16 anos
*Sessões vespertinas: Dias 19 e 26 de Julho (Sábados) às 17h30
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