Sabe Quem Dançou? | Elenco revela seus Bastidores

O elenco de "Sabe Quem Dançou?" revelas os bastidores da nova temporada em uma entrevista exclusiva ao Canal Tadeu Ramos.

Baseada no intrigante texto de Zeno Wilde (1947–1998), a nova montagem de “Sabe Quem Dançou?”, dirigida por Hermes Carpes e encenada pela companhia teatral Os Tocáveis, retorna com um elenco renovado e uma abordagem atualizada.

Canal Tadeu Ramos — A peça, ambientada nos anos 80, retorna com um elenco renovado e sob a direção de Hermes Carpes. Que tal nos contar um pouco sobre a experiência de dar vida a esses personagens marginalizados em um contexto tão atual?

Hermes Carpes: Mesmo tendo sendo escrito há mais de 30 anos, optamos por manter a época original para provar que mesmo após tanto tempo, a corrupção e a degradação dos menos favorecidos ainda continua latente e presente nas nossas vidas.

Renan Villas: É um desafio dar vida a personagens tão distantes de nós, o que é extremamente enriquecedor para o nosso trabalho de ator. Também é muito prazeroso por se tratar um texto denso e cheio de camadas a serem descobertas. Cada vez que fazemos as cenas, descobrimos mais nas entrelinhas, naquilo que não está sendo dito.

Pedro Amaral: “Sabe Quem Dançou”? tem sido o meu maior desafio e minha maior realização como ator até agora, fazer parte de um espetáculo tão real como esse espetáculo é uma enorme quebra da bolha de segurança que existe em outros espetáculos, e isso tem sido uma delícia até aqui.

Gustavo Cirino: Considerando o que o Brasil vem passando nos últimos tempos, com cada vez mais discussões sobre liberdade sexual, a peça traz à tona personagens que existem na nossa sociedade, mas que são apagadas e escondidas a todo custo. Se na época de criação desse texto isso era atual, hoje está mais ainda, hoje travestis, gays e toda a pluralidade da comunidade LGBTQIA+ tem mais espaço para existir publicamente.

CTR — A trama original, escrita por Zeno Wilde, já recebeu prêmios e aclamação da crítica. Como vocês estão se apropriando dessa história para entregar uma nova visão ao público?

Renan: Estamos fazendo ensaios contínuos e debatemos bastante as relações entre os personagens, tanto no que está descrito, quanto pelo que está escondido no texto. Essa nova versão também traz um elenco mais jovem para trazer um viés novo à história, além de trazer uma crítica mais voltada a exploração de pessoas cada vez mais jovens. Então quem for assistir, se já viu montagens anteriores, pode esperar por algo bem diferente.

Hermes: Zeno foi tão cirúrgico que não tem como não tocar cada um que assiste. Ele mexe com nossos lados mais profundos e obscuros da raça humana. Em 2021 saímos do Festival de Teatro do Rio com o PRÊMIO DE MELHOR ATOR para Hermes Carpes e indicados como melhor espetáculo e melhor ator coadjuvante. E isto nos trás um desejo de trazer esta história para uma nova geração.

Pedro: Fizemos grandes mudanças no elenco da peça, as montagens anteriores foram feitas numa versão onde os personagens “Passarinho” e “Mazolinha” eram homens feitos, e agora nessa versão com eles “mais novos”, trazemos um peso e uma realidade totalmente oposta as anteriores.

Gustavo: Acredito que nossa revisitação a esse texto pode ser muito proveitosa para os dias de hoje, levantando questões sociais e tabus que estão em voga até hoje. A realidade desses personagens nos mostra em muito as fragilidades da nossa sociedade.

CTR — O personagem central, Madonna, interpretado por Carpes, é um receptador que acolhe meninos em sua casa. Como essa relação se desenvolve e quais os desafios de interpretar um personagem tão complexo?

Pedro: Hermes sempre foi um exemplo pra mim em vários aspectos, principalmente de entrega aos personagens e técnica de atuação, quase tudo que sei sobre o mundo do teatro me foi apresentado e ensinado por ele, ser dirigido e estar dividindo palco com alguém tão grande pra mim é uma honra imensurável.

Renan: O personagem Madonna é como uma ponte entre todos os personagens, como se ele estivesse no centro das relações que se formam. Hermes já participou de diversas montagens do texto e fez esse personagem interagindo com atores diferentes, então estamos aprendendo muito com ele sobre o texto e o universo em questão.

Gustavo: Atuar ao do Hermes ser dirigido por ele está uma experiência muito marcante para mim, a energia em cena é sempre muito alta e vai nos levando mais e mais ao personagem, os conflitos crescem a cada cena. Mesmo depois de acabarmos a peça, eu continuo eletrizado, demoro a voltar para meu estado de espírito normal (risos). É uma experiência totalmente nova e com certeza vou levar muitos aprendizados daqui.

Hermes: Dirijo “Sabe Quem Dançou?” desde 2015 e durante 6 meses de laboratórios chegamos a conclusão que o Madonna era muito mais que apenas um estereótipo do gay mais velho que acolhe garotões. Ele é um personagem tão rico, que é um artista que tem sonhos e desejos. Suas dores do passado em relacionamentos tóxicos moldaram seu comportamento e caráter que ele tem hoje.

Elenco posando no palco | Sabe Quem Dançou | Canal Tadeu Ramos
Foto: Ronaldo Gutierrez

CTR — A peça aborda temas sensíveis como jovens de rua, milícia, prostituição e roubos. Como vocês, enquanto atores, lidam com a responsabilidade de retratar essas realidades de forma autêntica e impactante?

Hermes: Antes de subirmos ao palco, foi feita muita pesquisa para que a gente conseguisse levar ao publico uma atuação com a maior verdade possível. Nós atores em momento algum podemos julgar nossos personagens. Quando fazemos isso, corremos o risco de maquiar a verdadeira face dos personagens. Então optamos em nos jogar sem medo ou pudores, mesmo que isso pode parecer distante de grande parte da sociedade mais afortunada deste país.

Gustavo: É de fato uma responsabilidade enorme interpretar esses personagens, porque ao mesmo tempo que eles são vítimas da sociedade, eles não agem como vítimas, ninguém passa a mão na cabeça deles. Por isso, é muito desafiador encontrar nessa situação de tanta vulnerabilidade uma postura e expressão corporal para personagens, para não tratarmos apenas superficialmente.

Renan: É uma grande responsabilidade de fato. E também um grande desafio. Precisamos sempre ter o cuidado de não julgar os personagens, além de termos a sensibilidade de entender até onde podemos ir para não passar dos limites necessário para trazer essa autenticidade. É um grande exercício e com certeza uma virada de chave em nossas carreiras.

Pedro: Essa na verdade, tem sido a minha maior inspiração para esse espetáculo, e também a maior honra que um ator pode ter, dar voz e representar esses jovens marginalizados, que não tiveram acesso a educação ou a uma rede de apoio é parte da missão que temos como artistas.

CTR — A nova montagem apresenta personagens na faixa dos 16 anos. Como essa mudança de idade impacta a dinâmica da história e a construção dos personagens?

Gustavo: Ao colocar os personagens nessa nova configuração, a história fica ganha força para mostrar a precariedade e podridão que podem acontecer no subúrbio. Quando se pensa em prostituição, muitos acreditam que é uma opção, um caminho que uma pessoa sem caráter escolheu para si. Com personagens menores de idade, podemos reforçar o quanto esse pensamento é enganoso e insensível, a prostituição é não uma opção, mas uma imposição, foi um trabalho que alguém deu num momento de fome e desabrigo, é antes de tudo um abuso do que trabalho.

Renan: Os personagens mais jovens trazem outros questionamentos e revitaliza o texto, pois, como o conhecido bordão diz, a vida imita a arte e a peça trata de assuntos delicados mas de debate extremamente necessário, por usina importância de levar um texto assim aos palcos como forma de contestação dessa realidade tão cruel. Então, acredito que trazer os personagens mais jovens nessa montagem é um ganho muito interessante para a encenação em termos críticos.

Pedro: As montagens anteriores foram feitas numa versão onde os personagens “Passarinho” e “Mazolinha” eram homens feitos, e agora nessa versão com eles “mais novos”, trazemos um peso e uma realidade totalmente oposta as anteriores, eles vivem na mesma realidade, porém como jovens, tendo uma visão, atitudes e forma de agir diferentes das de um adulto.

Hermes: Já estamos sofrendo preconceitos por causa disso. Por pessoas que julgam a história por causa de um cartaz mais ousado. Os atores estão quase nús, porque eles, OS PERSONAGENS, não tem nada. Foi um desafio encontrar atores maiores de idade com cara de 16 e que fossem talentos o suficiente para segurar papéis tão difíceis. Aí que entram Gustavo Cirino e Pedro do Amaral, ambos com 22 anos, cara de meninos, mas com talento e dedicação de gente grande. Até nosso Cabo, vivido pelo Renan Villas é o mais novo nestes 9 anos em que estou conduzindo este espetáculo. Graças a Deus o Madonna envelhece junto comigo. (risos)

CTR — A encenação realista, sem exageros, é um ponto forte da peça. De que forma vocês trabalham essa estética para transmitir a crueza do submundo da sociedade de forma engajadora?

Renan: Em poucos palavras eu diria: olho no olho. É um texto que pede uma interpretação mais realista e por isso dificilmente quebramos a quarta parede e buscamos sempre o contato direto com os outros atores, um ritmo mais cotidiano dos diálogos e uma abordagem mais próxima da cinematográfica do que da teatral.

Pedro: Através de estudos e laboratórios, tentamos conhecer ao máximo a realidade em que esses personagens vivem, para que possamos retratá-las da forma mais fiel possível.

Gustavo: A crueza do submundo aparece na cena através de ações e falas sem filtro, esse é tom que tem o texto. A peça se passa toda dentro da casa de Madonna, lá os personagens podem falar sem pudores, desde de palavras de baixo calão até seus desejos mais sombrios. Isso nos interessa porque abre espaço para cutucar tabus que dificilmente se discutem na mesa de jantar.

Hermes: Infelizmente temos muitos exemplos a seguir. Basta abrir nossas janelas, nossos olhos e sair um pouco do celular que vocês verão que a realidade da rua é muito mais cruel do que vocês verão no palco.

Elenco posando no palco | Sabe Quem Dançou | Canal Tadeu Ramos
Foto: Ronaldo Gutierrez

CTR — “Sabe Quem Dançou?” é considerada uma tragicomédia. Como o humor se encaixa em meio a temas tão densos e pesados?

Pedro: Fazendo uso do humor e ironias, tentamos tornar alguns momentos do espetáculo mais leves e de certa forma cômicos, com situações constrangedoras e reais do dia a dia.

Gustavo: O humor entra em cena para romper por breves momentos a tensão, nada mais real do que brasileiro fazendo piada da própria desgraça, eles brincam entre si mesmo em meio a condições tão desfavoráveis. Acrescentar o humor nos dá mais camadas desses personagens, eles brigam muito, mas também se divertem em algum momento.

Hermes: Difícil explicar. Esta questão nos assombra há anos. Como o povo pode rir do que está acontecendo ali. Muitas vezes trazemos o humor na maldade dos personagens. Muitos risos vêm do nervoso da plateia e das situações limites em que eles vivem. Mas tentamos trazer umas cores aos personagens o que torna tudo mais interessante e mais leve.

Renan: O humor aparece em diversos momentos, afinal, o comédia nasce do drama, certo? A forma como alguns assuntos que são pesados e sérios são tratados com naturalidade pelos personagens muitas vezes traz o toque cômico, principalmente nas falas de Madonna, até em momentos de grande tensão.

CTR — Qual cena ou momento da peça vocês consideram mais desafiador e por quê?

Renan: Com certeza os momentos de agressão física por que envolvem coreografias bem ensaiadas de forma que realmente pareçam que as brigas e momentos mais tensos estão de fato em ação.

Gustavo: Como “Passarinho”, especialmente, a primeira cena, pois nela está condensado todos os seus traumas, desconfianças e desejos internos que depois vão se desenvolver ao longo da peça. Já como Mazolinha, a cena em que ele é repreendido e humilhado, porque ali ele percebe sua condição inferior à sua “dona”.

Pedro: Como “Mazolinha”, o maior desafio pra mim está sendo uma cena onde ele é humilhado por outro personagem, pois a partir dali ocorre uma mudança interna brusca em toda a construção do personagem, despertando um ódio que até ali não existia dentro dele.

Hermes: Este texto é tão bom que ele permite vários momentos incríveis aos quatro atores. Mas falando como Madonna, o momento em que ele bate nos meninos me destrói por dentro. Mesmo sendo uma briga coreografada, alguns tapas sempre escapam e amo e admiro os atores que estão ao meu lado. Nunca eu conseguiria bater na cara de qualquer um deles. Mas o “Madonna” pode tudo (risos). Mas que eu sofro por dentro, eu sofro.

Elenco posando no palco | Sabe Quem Dançou | Canal Tadeu Ramos
Foto: Ronaldo Gutierrez

CTR — Que mensagem vocês esperam que o público leve para casa após assistir “Sabe Quem Dançou?”

Pedro: Queremos mostrar ao público como é a realidade de grande parte desses jovens marginalizados, mostrar o que a falta de educação e ajuda da sociedade podem causar na vida das pessoas.

Gustavo: Acho que o mais importante é que saiam dessa peça transformados em algum grau, espero que tenham sua percepção aumentada, que saiam de lá refletindo sobre a complexidade envolvida nestas vidas marginalizadas.

Renan: Isso é algo difícil de dizer pois não podemos controlar o que o público acha ou deixar de achar, mas eu, como ator, espero que vejam com olhos críticos, afinal tratamos a verdade nua e crua, não buscamos romantizar assuntos tão sérios e delicados. Esperamos que o texto chegue da forma como ele veio, a arte mostrando que aquela realidade bruta realmente estar por aí, mais próximo do que imaginamos.

Hermes: Que as pessoas parem de olharem somente para seus umbigos e desejos pessoais e vejam o mundo como um todo. Principalmente na hora de votar. Pense sempre naquele que poderá ajudar um número maior de pessoas sempre. Que toda vez que vir um jovem na rua, que não o julgue sem conhecer. E que saia do Teatro com a sensação que viu um espetáculo com conteúdo, com muito trabalho, com muita entrega e que merece ser visto por muita gente.

CTR — Para finalizar, gostaríamos de saber: o que o público pode esperar dessa nova temporada de “Sabe Quem Dançou?”

Hermes: Não prometemos nada, mas vamos entregar tudo. Se preparem. Ninguém volta pra casa da mesma maneira que entrou no teatro após assistir “Sabe Quem Dançou?”.

Renan: Podem esperar uma peça densa mas com um toque de comédia. Um espetáculo feito para causar desconforto e muitos questionamentos em diversos momentos e que com certeza deixará uma inquietude na cabeça de quem assistir.

Pedro: Uma nova visão da realidade, queremos trazer um pouco mais de entendimento e empatia para com esses jovens que muitas vezes são ignorados pela sociedade.

Gustavo: Humor e intrigas em que entram no jogo mentiras, interesses sexuais, financeiros, e no meio de suas rixas, um pitada de afeto. A humanidade sem pudor e que está prestes a surtar.

SABE QUEM DANÇOU?

Elenco posando no palco | Sabe Quem Dançou | Canal Tadeu Ramos
Foto: Ronaldo Gutierrez

Temporada: De 07 a 28 de Julho
Horário: Domingos, às 20h
Local: Av. Antártica, 408 — Terceiro Piso — Água Branca
Ingressos: R$ 80,00 (inteira) | R$ 40,00 (meia) | R$ 34,90 (promocional) | Compre aqui
Duração: 80 minutos
Classificação: 16 anos

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Tadeu Ramos

Social Media e criador de conteúdo. Compartilho aqui conteúdos culturais, com destaque para a comunidade LGBTQIAPN+

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