As novas apresentações fazem parte do projeto “Teatro Ebó”, contemplado pela 43° Edição da Lei Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo. A iniciativa ainda prevê outras atividades, como a criação de quatro núcleos de pesquisa e criação cênico-documental, que devem acontecer no segundo semestre de 2025.
O espetáculo, a rua, os artistas e a comunidade

A história de um anti-herói fora-da-lei brutalmente assassinado pela polícia em 1962 é resgatada pela Cia. Teatro Documentário em Cavalo Bravo Não Se Amansa, que estreou em 2023, sob a direção de Marcelo Soler, que assina a dramaturgia ao lado de Éder Lopes. Agora, o espetáculo cumpre uma nova temporada no Viaduto Júlio Mesquita Filho, na Bela Vista.
Em uma encruzilhada, expandida para um jardim comunitário, um estacionamento e um viaduto, abre-se uma fresta na cidade para resgatar a memória de José Miranda Rosa, o Mineirinho. Ele foi um “fora-da-lei” acusado de vários crimes, como assalto à mão armada, e ficou conhecido pelo morro da Mangueira como uma espécie de “Robin Hood brasileiro”.
Poucos são os registros sobre esse anti-herói carioca, no entanto, sua história ficou eternizada por meio da crônica “Mineirinho”, escrita pela autora ucraniano-brasileira Clarice Lispector (1920-1977) e publicada em julho de 1962 na revista carioca Senhor. Esse texto foi considerado pela própria escritora, um de seus prediletos.
Independentemente dos delitos de José Miranda, a imagem de um homem morto com 13 tiros em uma chacina praticada por policiais no dia 1 de maio de 1962, segurando a guia de Ogum do pescoço, descalço sem suas alpargatas da marca “7 vidas” e com uma oração de Santo Antônio (no sincretismo religioso, associado a Exu) no bolso, revela um projeto colonialista que persiste até nossos dias.

O diretor Marcelo Soler comenta que, mesmo com a distância temporal desse fato trágico, a história de Mineirinho dialoga com nosso tempo. “Essa falta de registros históricos nos guiou à opção por trazer elementos da crônica e trechos das reportagens da época: um choque entre a poesia e a escrita sanguinolenta dos jornais à procura de consumidores ávidos pelo sangue impresso nas manchetes. A escolha dos jornalistas foi pela figura do criminoso, transformado em anti-herói, numa narrativa em que o questionamento e os porquês das causas dos crimes são esquecidos em favor do espetáculo sensacionalista”, comenta.
“Já a crônica apresenta o olhar de uma classe média aliviada com a morte de um bandido e de uma artista, num movimento de autocrítica, que consegue sair desse modo operante e com assombro flagrar o que, anos mais tarde, viríamos a chamar de necropolítica. Sem nos apegarmos à necessidade de trazer à cena um documentário cênico propriamente dito, mas um ato permeado por elementos documentais, a celebração se sobressai ao policialesco”, acrescenta Marcelo.
Como fresta/festa, o espetáculo é uma espécie de “produção inacabada”, com características explicitamente dialógicas, na qual as fronteiras entre quem assiste e quem produz ficam menos evidentes.
Para contar essa história, a Cia. Teatro Documentário promoveu o encontro entre profissionais teatrais, estudantes de teatro e pessoas que nunca tinham adentrado na cena. Essas pessoas, que foram selecionadas a partir de oficinas ministradas pelo grupo, não apenas participaram de todo o processo de pesquisa como estão juntas em cena como atuadores e atuadoras.

“Ao entendermos as pessoas como ‘verdadeiros’ patrimônios culturais de seus tempos históricos, podemos visualizar que ao potencializar os espaços de trocas advindas de discursos cruzados, experienciados, abrimos possibilidades para a efetivação de variadas aprendizagens. A encruzilhada como espaço de conhecimento. A ode à figura do malandro, o resgate dos elementos presentes principalmente na Umbanda (porto seguro de Mineirinho), o samba, a reunião de atuadores, atuadoras e plateia num território reconstruído sob a ação da comunidade local, propõe um acontecimento no qual o encantamento de Mineirinho rompe com a narrativa hegemônica”, explica melhor o diretor.
Núcleos de pesquisa
Além das novas apresentações de Cavalo Bravo Não Se Amansa, o projeto “Teatro Ebó” prevê a criação de quatro núcleos de pesquisa e criação cênico-documental, ampliando as discussões trazidas pelo espetáculo a partir de diferentes abordagens.
Os núcleos atuarão no segundo semestre de 2025, ao longo de cinco meses, em territórios diferentes da cidade, e resultarão em diversos novos trabalhos cênicos. E, para saber como participar das datas e dinâmicas desses grupos é preciso ficar atento às redes sociais da companhia.

Ainda que sejam propostas de pesquisas diferentes em cada núcleo, será comum entre todos eles a intenção, na perspectiva de entender o teatro como Ebó, a busca pela construção de discursos teatrais de caráter documental, gerados pela fruição de uma encenação, que por meio de sua proposta estética, possam alterar as capilaridades dos territórios em que eles são apresentados.
O primeiro dos núcleos tem o tema “Gira Cênica: a teatralidade dos elementos da umbanda tradicional na construção discursiva” e é coordenado por Gustavo Curado. A ideia é buscar histórias, situações e narrativas reais vindas dos terreiros como material cênico e forma de representação de figuras excluídas da sociedade.
No núcleo “Samba de bloco como dispositivo para interferências cênicas: a alegria como forma de resistência”, coordenado por Danielle Lopes, busca encontrar no bloco carnavalesco e sua passagem pela cidade fatos documentais sob uma perspectiva decolonialista.
Já em “Lembranças daquele baile: o baile como dispositivo para criações cênico documentais”, coordenado por Marcelo Soler, busca-se pensar na estrutura de um baile, como um grande encontro entre pessoas e seus diferentes corpos, transformando-o num terreno fértil para a criação.
Por fim, no núcleo “Justiça Divina: a justiça de Deus e a justiça de Xangô como temática para criações cênico-documentais”, coordenado por Márcio Rossi, por meio da temática e das simbologias da justiça, pretende-se teatralizar como a ideia de condenação e salvação permeiam três estruturas da nossa sociedade: estado, igreja e terreiro.
Ficha técnica:
Concepção e Direção: Marcelo Soler
Co-direção: Éder Lopes
Dramaturgia: Marcelo Soler e Éder Lopes
Atuadores: Cia. Teatro Documentário Alan Paes, Danielle Lopes, Gustavo Curado e Márcio Rossi e artistas convidados (Bessa, Bruna Tovian, Bruno Trindade, Caio César Teixeira, Carlos Vasconcelos, Daniel Rechtman, Dani D’eon, Éder Lopes, Fábio Bianchi, Flávia Teixeira, Flávia Ulhôa, Laila Lima, Matheus Pamplona, Natalia Lemos, Raphael França, Renata Adrianna, Rosana Pereira e Vinicius Ferez)
Convidado/Vizinhança/Documentado: Wilson Cunha
Músicos: Alan Paes, Henrique Brito e Rodrigo Rosa
Direção Musical: Alan Paes e Henrique Brito
Supervisão / Pesquisa Musical (pontos de Umbanda): Ogan Henrique Brito
Design de Som: Dante Dantas (à partir da concepção de Otávio Correia)
Operação de Som: Dante Dantas e Claudi (à partir da concepção de Otávio Correia)
Cenografia: Marcelo Soler
Figurino: Éder Lopes
Produção: Alessandra Queiroz, Bessa e Renata Adrianna
Fotografia: Aurora Biondi
Redes Sociais / Projeto Transmídia: Flávia Teixeira
Assessoria sobre a Cultura da Umbanda – Babá Ricardo Iroko Ishola
Realização – Cia. Teatro Documentário e Prefeitura Municipal de São Paulo – Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa
CAVALO BRAVO NÃO SE AMANSA
Temporada: De 15 de Março a 18 de Maio
Horário: Sábados, às 16h30 | Domingos, às 11h
Local: Viaduto Júlio Mesquita Filho (entre as encruzilhadas da Rua Major Diogo e Prof. Laerte Ramos de Carvalho – Bela Vista)
Ingressos: entrada gratuita, mediante reserva de ingressos no Sympla
Duração: 80 minutos
Classificação: 12 anos
AVISOS IMPORTANTES:
- É recomendado chegar com 30 minutos de antecedência ao local.
- Em caso de chuva, não haverá apresentação.
- O espetáculo é itinerante. A eeserva oelo Sympla não garante um lugar sentado tendo em vista que o espaço da encenação é público, aberto e gratuito.
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