A Última Raposa do Mundo: Uma Solitária Coleciona Celulares sem Bateria na Esperança que Toquem

Peça propõe uma reflexão sobre o valor da amizade e os livros como portais para imaginar novos mundos.

Uma raposa solitária sobrevivente ao apocalipse é a protagonista de A Última Raposa do Mundo, uma fábula contemporânea voltada para o público jovem que marca o primeiro trabalho do grupo Fumaça. A peça estreia na sala Ademar Guerra, no porão do Centro Cultural São Paulo.

A montagem adapta a fábula juvenil escrita em 2021 por Moisés Baião, que também está à frente da dramaturgia e direção, vencedora do Prêmio Cepe de Literatura Juvenil em 2022 e do Concurso Nascente USP em 2021. A obra também foi publicada em livro pela Cepe Editora em 2023. A estreia no palco é possível graças ao 18º Prêmio Zé Renato de Teatro, da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. No elenco estão Jhennifer PeguimNuno José e Patrick Moreira Lima.

Esta é a segunda obra premiada do autor. Em 2020, ele venceu o Concurso Nacional Jovens Dramaturgos do Sesc com a peça Peixe Vivo. Além disso, Baião conquistou, em 2023, o segundo lugar no prêmio OffFlip de Literatura com o conto Luiza Capote, publicado e lançado na programação da Festa Literária de Paraty daquele ano.

Foto: Edu Figueiredo

A Última Raposa do Mundo acompanha os solitários dias de uma raposinha-do-campo (Lycalopex vetulus). Essa sobrevivente vive no topo de um edifício alto e, todos os dias, desce até a rua para procurar livros e juntar smartphones que encontra pelo caminho, na esperança de que um deles toque e ela não se sinta mais tão sozinha. Quase sem esperança, depois de mil dias vivendo nessa situação, ela finalmente recebe uma ligação.

A dramaturgia evoca o gênero da fábula, uma tradição milenar de contar histórias com personagens animais antropomorfizados que tem sua origem na Grécia Antiga, para discutir questões extremamente atuais e universais. Entre esses grandes temas trazidos pela obra estão a solidão contemporânea, a atmosfera de luto e incerteza em situações extremas (como aquelas vividas na pandemia de Covid-19), o valor da amizade, a importância do contato físico em um mundo cada vez mais virtual e os livros como portais para imaginarmos novos mundos.

“Somos uma companhia que pesquisa a fábula para diferentes idades. Acho que só de ter uma raposa no título, já carregamos muitos estigmas sobre que tipo de história é essa, mas a fábula é uma coisa ancestral. A nossa peça fala de temas de jovens e adultos e é legal que a obra tenha sido enquadrada como infanto-juvenil quando foi publicada porque fala com um público em formação como leitor”, revela autor e diretor Moisés Baião. E, para atrair ainda mais a juventude, o grupo tem pesquisado sobre teatro contemporâneo e experimental.

Outra questão interessante é que o texto coloca em destaque um animal encontrado apenas no cerrado brasileiro, a raposinha-do-campo, que, atualmente, está ameaçada de extinção no mundo real. E a própria fumaça tóxica que ameaça a vida nesse ambiente apocalíptico é uma referência às queimadas que colocam a biodiversidade brasileira em xeque. Além disso, ao trazer esse animal para o centro da história, o grupo presta uma homenagem à presença recorrente de raposas em fábulas clássicas de diferentes tradições literárias ao redor do mundo.

Foto: Edu Figueiredo

Para contar essa fábula, o grupo aposta em uma cenografia com alguns objetos envelhecidos, mostrando que a trama acontece em um cenário pós-apocalíptico. E o público está posicionado em um espaço não-convencional, no caso, o porão do CCSP, em um espaço sem coxias, onde tudo está exposto — quase como o deserto urbano onde a história se passa.

Já a trilha sonora é executada em sua maior parte ao vivo pelo clarinetista Patrick Moreira Lima e reflete uma pesquisa sobre gêneros musicais tipicamente brasileiros, como samba, choro, seresta e bossa nova. Elas são usadas para marcar os diferentes estados emocionais presentes no espetáculo.

Sobre essa investigação musical, Baião explica: “a maior parte das músicas que o Patrick toca no clarinete são de repertório em domínio público. Fizemos questão, eu e ele, de fazer uma pesquisa musical destas obras. Tem coisas muito antigas, melodias clássicas que as pessoas vão reconhecer. Só que com arranjos que modificam essa estrutura. Então, até nisso tem uma experimentação”.

A Fumaça é composta pelos artistas Jhennifer Peguim, Moisés Baião, Nuno José e Patrick Moreira Lima, cujas trajetórias artísticas passeiam por teatro, literatura, dança, música, design gráfico e produção cultural.

O grupo investiga dramaturgia autoral, humor e interação de diferentes linguagens artísticas. Em seu primeiro trabalho, A Última Raposa do Mundo, o coletivo pesquisa a criação de uma fábula contemporânea para o público jovem e adulto, subvertendo a associação comum desse gênero narrativo apenas ao universo infantil.

Ficha Técnica:

Elenco: Jhennifer Peguim, Nuno José e Patrick Moreira Lima
Direção e dramaturgia: Moisés Baião
Pesquisa musical: Patrick Moreira Lima e Moisés Baião
Treinamento de humor: Thais Melo
Cenografia: Julio Vida
Luz: Dida Genofre
Figurino: Acacio Mendes
Design de objetos: Leon Henrico Geraldi
Concepção de maquiagem: Thais Valentin
Arranjo musical de ʽPeixe Vivoʼ: Bruno Avoglia
Operação de luz: Dida Genofre
Operação de som: Moisés Baião
Design gráfico, ilustração e mídias sociais: Larissa da Cruz e Moisés Baião
Fotos digitais: Edu Figueiredo
Fotos analógicas: Larissa da Cruz
Assessoria de imprensa: Canal Aberto
Produção: Lud Picosque — Corpo Rastreado

A ÚLTIMA RAPOSA DO MUNDO

Foto: Edu Figueiredo

Temporada: De 08 a 25 de Agosto
Horário: Quarta a Domingo, às 20h
Local: Rua Vergueiro, 1.000, Liberdade
Ingresso: Gratuito
Classificação: 12 anos
Duração: 75 minutos

*Artigo publicado originalmente em 5 de agosto de 2024.

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Tadeu Ramos

Social Media e criador de conteúdo. Compartilho aqui conteúdos culturais, com destaque para a comunidade LGBTQIAPN+

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