Diante do avanço das IAs (inteligências artificiais) e do surgimento de guerras em todo o mundo, faz-se necessário questionar: o que é o ser humano e para onde a humanidade está caminhando? E este é justamente um dos cernes de Saudade na Miragem, com direção e dramaturgia do japonês Hiroshi Koike, que tem sua temporada de estreia no Sesc Vila Mariana.
O espetáculo questiona a relação entre religião, espiritualidade, conflito, e a ambivalência da justiça, propondo uma visão do futuro inspirada pelo livro A Guerra do Fim do Mundo, de Mario Vargas Llosa, que se debruça sobre a Guerra de Canudos, ocorrida no sertão da Bahia, entre 1896 e 1897.
Danilo Dal Farra, Eduardo Okamoto, Fernando Lufer, Jéssica Barbosa, João Guisande, Júlio Lorosh, Paulo Sokobauno e Yana Piva compõem o elenco de artistas do Brasil, enquanto Jinya Imai e Ichiya Nishikawa são artistas japoneses que integram o time. Os artistas do Brasil foram selecionados a partir de uma audição que contou com 384 inscrições.
“Movido pela arte do encontro, o Sesc recebe a estreia de Saudade na Miragem, do diretor Hiroshi Koike, cuja presença se dá a partir da longeva parceria com a Fundação Japão São Paulo, dando início às celebrações dos 130 anos do tratado de amizade entre Brasil e Japão, reverberando tanto a pluralidade da cultura japonesa quanto desdobramentos próprios das relações interculturais”, afirma Luiz Deoclecio Massaro Galina, diretor do Sesc São Paulo.
Projeto Firebird
O espetáculo faz parte do projeto Firebird e faz residência no CPT – Centro de Pesquisa Teatral. A iniciativa lançada em 2022, que busca refletir sobre o futuro do mundo a partir de diferentes culturas, propõe a criação e colaboração entre artistas e músicos de diferentes origens da Ásia, Europa e América do Sul.
“O objetivo do projeto é sugerir a coexistência e celebrar as diferenças. Ser capaz de imaginar a coexistência é mais importante do que nunca, neste momento que o mundo está mudando rapidamente e enfrenta uma crise que afeta todo o planeta Terra. Firebird é um projeto para imaginar o renascimento humano diante do caos, da guerra e da destruição”, explica Koike.
A cada ano, o projeto cria uma nova performance dirigida por Koike em um desses lugares. O primeiro trabalho surgiu na Polônia, em 2022, e trouxe à cena uma versão do romance “Kosmos”, de Witold Gombrowicz. Em 2023, a segunda etapa se inspirou no clássico grego, a “Odisséia”, de Homero, com artistas na Malásia. Agora temos a estreia no Brasil e a última montagem será no Japão, em 2025.
A montagem no Brasil é o terceiro trabalho do projeto e discute o tema “Destruição e Nascimento – Como poderemos seguir como seres humanos?”. Aqui, a iniciativa conta com o apoio da Fundação Japão (acho que podemos padronizar “Fundação Japão em vez de “Fundação Japão São Paulo”, que aparece nas aspas do Galina, o que acha?, produção da Périplo e realização da Hiroshi Koike – Bridge Project e do Sesc em São Paulo.
O diretor Hiroshi Koike conta que escolheu o Brasil para a coprodução porque já havia trabalhado com artistas brasileiros na década de 2000 e, a partir dessa experiência, sentiu uma profunda afeição pela cultura brasileira e pela coexistência no país entre pessoas de diferentes etnias e grupos.
“O Brasil é realmente o país mais avançado do mundo no processo de se tornar multicultural e multiétnico. O Japão está próximo do exato oposto. A sociedade brasileira define a diversidade em pessoas, cultura e filosofia. O que vemos no país pode ser uma pista para a direção da humanidade à medida que nos tornamos mais diversificados e globalizados. Eu queria criar com artistas brasileiros na terra e na cultura onde artistas como Glauber Rocha, Cartola e Sebastião Salgado viveram. Fui fortemente influenciado e inspirado por sua ousadia”, relata o diretor.
O caminho leva a uma compilação de todos esses trabalhos para criar uma nova obra, que será apresentada em Kyoto e Tóquio, no Japão, em 2025.
Revisitando Canudos
Saudade na Miragem é inspirado na Guerra de Canudos, conflito armado que ocorreu no interior da Bahia, entre 1896 e 1897. Na ocasião, o exército brasileiro, pressionado por latifundiários da região, dizimou milhares de pessoas lideradas pelo peregrino Antônio Conselheiro, que buscava uma salvação milagrosa para a grave crise econômica, social e hídrica enfrentada pela população.
O espetáculo se passa no futuro, de onde falam pessoas mortas, o que permite um trânsito de tempos e uma combinação de realidades que inclui passado e presente, sem a necessidade de situar geograficamente ou de muita especificidade. Nesse sentido, a Guerra de Canudos, ou o livro de Mario Vargas Llosa, A guerra do fim do mundo, interessam mais pela narrativa épica, que é um tema perseguido por Hiroshi em todos os espetáculos do projeto Firebird.
O espetáculo não se propõe a resgatar fidedignamente o episódio histórico, mas lança um olhar para esse evento como um espelho das lutas contemporâneas, interligando questões como a memória coletiva, a dor e a regeneração. A ideia é reimaginar de forma criativa a obra e os personagens de Mario Vargas Llosa em “A Guerra do Fim do Mundo”.
Sobre a escolha dessa história, o diretor Hiroshi Koike comenta: “Para os brasileiros, a Guerra de Canudos é um evento que representa um profundo desconforto, como um osso atravessado na garganta. Da mesma forma, a Guerra do Pacífico, o terremoto de Tohoku em 2011 e o acidente na usina nuclear de Fukushima devem ser sempre questionados pelos japoneses. Por que tudo isso aconteceu? Nesse sentido, Canudos não é um problema distante, mas uma possibilidade que pode ocorrer em qualquer lugar do mundo”.
A narrativa é composta por personagens complexos que representam a diversidade e os conflitos da experiência humana. Através de uma linguagem teatral que mistura elementos de diversas tradições artísticas, o espetáculo explora a tensão entre caos e harmonia, questionando o que significa viver em um mundo tão fragmentado.
Em meio a uma realidade global marcada por crises e divisões, “Saudade na Miragem” propõe uma visão de futuro que busca as “possibilidades de viver”. A obra convida o público a embarcar em uma jornada de autoconhecimento e entendimento, enfatizando a importância do diálogo e do respeito entre diferentes culturas. Ao final, a peça não só revisita o passado, mas também aponta para um caminho de esperança e regeneração em tempos difíceis.
O encenador ainda revela que a proposta do espetáculo é “refletir sobre novas formas de futuro, inspirando-se tanto nos eventos reais quanto na ficção, enquanto se expressa a grandeza de um universo em que humanos que nunca se misturam começam a se entrelaçar. Essa visão do mundo pode ser entendida como a percepção do lugar onde reside a possibilidade que emerge do amor infinito. E ao confrontar esse amor infinito e a força que dele decorre, o ser humano pode sucumbir à loucura, e a justiça, de fato, pode desaparecer completamente”.
“Confrontos, conflitos, guerras, enquanto as pessoas têm o potencial para o diálogo, o respeito e a harmonia. Por meio do ato de criar com artistas que normalmente não estariam juntos no palco, o projeto visa demonstrar a possibilidade de um mundo harmonioso”, acrescenta.
Ficha Técnica
Idealização: Hiroshi Koike Bridge Project – Odyssey
Concepção, Roteiro e Direção Geral: Hiroshi Koike
Elenco: Danilo Dal Farra, Eduardo Okamoto, Fernando Lufer, Jéssica Barbosa, João Guisande, Julio Lorosh, Jinya Imai, Ichiya Nishikawa, Paulo Sokobauno e Yana Piva
Composição e Execução Musical: Gregory Slivar
Arte/Cenografia: Renato Bolelli Rebouças
Figurino: Juliana Bertolini
Vídeos/Projeções: Ivan Soares
Iluminação: Gabriele Souza
Desenho de Som: Alê Martins
Caracterização: Amanda Mantovani
Assistência de Direção: Marie Kuroda, Maria Lívia Goes
Assessoria de imprensa: Pombo Correio
Produção Executiva: Laís Machado
Coordenação de Produção: Adolfo Barreto
Direção de Produção: Marie Kuroda e Pedro de Freitas
Produção Geral: SAI Inc. e Périplo
Apoio Institucional: Fundação Japão em São Paulo
Subsídio: Departamento para Assuntos Culturais, Governo do Japão, Conselho de Artes do Japão
Financiamento: The Japan World Exposition 1970 Commemorative Fund – KANSAI OSAKA 21st Century Association
Realização: Sesc SP, SAI Inc. e NPO Bridge for the Arts and Education
SAUDADE NA MIRAGEM
Temporada: De 30 de Novembro a 15 de Dezembro
Horário: Quarta à Sábado, às 21h | Domingo, às 18h
Local: Rua Pelotas, 141, Vila Mariana
Ingressos: R$ 70,00 (inteira) | R$ 35,00 (meia) | R$ 21 (credencial plena)
Classificação: 12 anos
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