Negritude em Cena: Exílio e a Poética de Boal e Nascimento

O Coletivo Legítima Defesa estreia "Exílio", uma peça que explora a relação entre Abdias Nascimento e Augusto Boal, revisitando a luta por novos futuros para a negritude.

Partindo da ideia de que negritude é construir outros futuros, o Coletivo Legítima Defesa estreia o espetáculo Exílio: notas de um mal-estar que não passa. A temporada acontece no Sesc 14 Bis.

O trabalho é definido pelo grupo como uma “transcriação da poética” do período de exílio vivido por Abdias Nascimento (1914-2011) e a sua relação com Augusto Boal (1931-2009). Por isso, para a construção dramatúrgica, Eugênio Lima e Claudia Schapira se inspiraram livremente nas peças escritas pelos dois autores, além de utilizarem vários materiais de pesquisa do acervo do TEN – Teatro Experimental do Negro.

“A peça é fundamentada na ideia de que existe uma relação entre o Abdias Nascimento e o Augusto Boal que não foi contada. Nosso principal argumento é que o início do Teatro Experimental do Negro se funde com o começo da carreira dramatúrgica do Boal, já que o primeiro texto que ele escreveu foi para o TEN”, comenta Lima, que também assina a direção de Exílio.

Segundo as pesquisas do grupo, a dupla defendia que a hybris trágica negra estava no candomblé e, por isso, Boal escreveu quatro textos para o TEN cujo cenário era o terreiro: O Logro (1953), O Cavalo e o Santo (1954), Filha Moça (1956) e Laio se Matou (1958). “Eles lutavam contra um pensamento comum nas primeiras décadas do século 20 de que as atrizes e atores negros só podiam fazer comédias, pois não tinham profundidade para fazer papeis trágicos ou dramáticos”, acrescenta.

Por esse motivo, Abdias também se interessa pela obra do dramaturgo estadunidense Eugene O’Neill (1888-1953). “Com esses autores, seu objeto de investigação é a crença de que a grande tragédia do negro no Brasil é o processo de embranquecimento, porque ou ele deixa de ser negro e morre ou permanece negro e é morto. Assim, as peças encenadas por ele não têm praticamente nenhuma redenção e apesar da centralidade das personagens negras, elas partem do princípio de que o negro é um ser trágico”, afirma o diretor.

Cena do espetáculo "Exílio" que aborda a questão do autoexílio na experiência negra
Foto: Cristina Maranhão

Na narrativa de Exílio: notas de um mal-estar que não passa, um grupo de atores e atrizes investiga todas essas relações enquanto tenta montar trechos de várias dessas peças. O que os bloqueia é um sentimento de impossibilidade, pois o elenco não quer vivenciar essas tragédias. “Nosso espetáculo, então, constitui-se como um sample de textos em que tudo é documento”, define Eugênio.

A montagem é dividida em três partes: o Protagonismo Negro, centrada no texto O Imperador Jones (Eugene O’Neill); o Drama focado em Todos os Filhos de Deus Têm Asas (Eugene O’Neill); a Tragédia inspirada em O Logro (Augusto Boal); e o Sacrifício, baseado e em Sortilégio – Mistério Negro (Abdias Nascimento).

“Para Abdias, que passou 13 anos exilado nos Estados Unidos e na Nigéria, todo negro fora da África é um autoexilado, já que não tem mais nenhuma possibilidade de retorno ao seu real local de origem e sofre racismo no seu país natal. Dessa forma, o conceito de autoexílio permeia todo o espetáculo”, explica Eugênio Lima.

A estreia do Coletivo Legítima Defesa faz uso de metalinguagem, ou seja, a equipe técnica está em cena devidamente iluminada. Ao mesmo tempo, Eugênio age como se estivesse dirigindo um ensaio.

No palco existe um grande “tapete da memória”, criado pela projeção, por onde transitam seis performers negres: Walter Balthazar, Luz Ribeiro, Jhonas Araújo, Gilberto Costa, Fernando Lufer e Thaís Peixoto (atriz convidada). Ainda há a participação da atriz Luaa Gabanini (em vídeo). Por convenção, o grupo estabeleceu que quem não estiver no “tapete” está fora de cena, entretanto, como eles nunca abandonam o espaço, os espectadores sempre os veem.

Cena do espetáculo "Exílio" que aborda a questão do autoexílio na experiência negra
Foto: Cristina Maranhão

Ainda compõem o cenário uma série de projeções de documentos históricos, como cartas, filmes, fotos e materiais pesquisados no IPEAFRO – Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros e Instituto Boal. Bianca Turner assina a videografia. E o desenho de Luz é de Matheus Brant.

Do ponto de vista sonoro, Exílio: notas de um mal-estar que não passa utiliza diversos recursos. Existem depoimentos de Léa Garcia (1933-2023), Ruth de Souza (1921-2019) e do próprio Abdias do Nascimento, e trechos de obras de autores como Frantz Fanon.

Já a parte musical explora diversos ritmos. “Selecionamos muito Hip Hop dos anos 1980 e 1990, mas também canções de Philip Glass, Racionais MC’s, tambores de candomblé, Billie Holiday e Marvin Gaye”, comenta Lima, que assina a direção musical, música e desenho de som.

A ação acontece em um local indefinido, em diversos países, mas perpassa as décadas de 1940, 1950, 1960 e 1970. O figurino de Claudia Schapira, sem traçar uma linha cronológica linear, contorna e situa as personagens trazidas à cena pelos atores e atrizes, utilizando de determinadas peças chaves da indumentária, que pautaram décadas. Os atores e atrizes, por sua vez, aparentam estar sempre com “roupa de ensaio”. Em termos de cores, a ideia é trabalhar a paleta PB a partir de um conceito do diretor. “Quisemos voltar para o preto e branco, como na nossa primeira peça, que somado ainda a elementos históricos bem concretos, nos colocam também em cena como documentos”, acrescenta Eugênio.

FICHA TÉCNICA

Direção, direção musical, música e desenho de som: Eugênio Lima
Dramaturgia: Eugênio Lima e Claudia Schapira
Intervenção dramatúrgica: Coletivo Legítima Defesa
Com samplers dramatúrgicos de: Frantz Fanon, Racionais MC’s, Augusto Boal, Abdias Nascimento, Maurinete Lima, Eugene O’Neill, Nelson Rodrigues, Agnaldo Camargo, Ruth de Souza, Léa Garcia, Túlio Custódio, Guilherme Diniz, Gianfrancesco Guarnieri, Molefi Kete Asante e Iná Camargo Costa
Elenco do Legítima Defesa: Walter Balthazar, Luz Ribeiro, Jhonas Araújo, Gilberto Costa, Fernando Lufer e Eugênio Lima
Atrizes convidadas: Thaís Peixoto e Luaa Gabanini (em vídeo)
Produção: Iramaia Gongora Umbabarauma Produções Artísticas
Videografia: Bianca Turner
Iluminação: Matheus Brant
Figurino: Claudia Schapira
Direção de gesto e coreografia: Luaa Gabanini
Assistência de direção: Fernando Lufer
Fotografia: Cristina Maranhão
Design: Sato do Brasil
Consultoria vocal: Roberta Estrela D´Alva
Assessoria de imprensa: Canal Aberto – Márcia Marques, Carol Zeferino e Daniele Valério
Cenotécnico: Wanderley Wagner
Vídeo: Matheus Brant
Engenharia de som: João Souza Neto e Clevinho Souza
Costureira: Cleusa Amaro da Silva Barbosa
Parceiros: Casa do Povo, Ipeafro, Instituto Boal, Editora 34 e Editora Perspectiva

EXÍLIO: NOTAS DE UM MAL-ESTAR QUE NÃO PASSA

Cena do espetáculo "Exílio" que aborda a questão do autoexílio na experiência negra
Foto: Cristina Maranhão

Data: Até 10 de Novembro*
Horário: Quinta a Sábado, às 20h | Domingos, às 18h
Local: Rua Dr. Plínio Barreto, 285 – Bela Vista
Ingresso: R$ 60,00 (inteira) | R$ 30,00 (meia-entrada) | R$ 18,00 (credencial plena) | Compre aqui
Duração: 90 minutos
Classificação: 16 anos

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Tadeu Ramos

Social Media e criador de conteúdo. Compartilho aqui conteúdos culturais, com destaque para a comunidade LGBTQIAPN+

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